A culpa por não estar bem quando tudo vai bem
e as lições que aprendi com a minha terapeuta
Em 2023, eu estava passando por um dos momentos mais desafiadores da minha carreira. Trabalhava em um lugar onde o ambiente, em diversos momentos, ultrapassava a linha do tóxico e entrava na categoria de assédio moral.
Para dar um pouco de contexto, quero explicar que sou atleta profissional e que, naturalmente, levo uma rotina que dificilmente seria considerada emocionalmente equilibrada e saudável. A identidade do atleta está muito relacionada ao alto desempenho, à superação e aos desafios diários, e viver dessa maneira é exaustivo e desgastante — mas, dentro desse universo, é a única realidade possível.
Por sorte, intercalamos os momentos de alta exposição ao estresse com momentos de êxtase indescritível. Pode ser uma temporada brilhante, uma vitória importante ou apenas um ponto inesquecível... são esses momentos que sustentam a sanidade de qualquer atleta de alto rendimento.
Portanto, quando falo que o ambiente era tóxico, estou me referindo a algo realmente insalubre — nível: nem mesmo alguém acostumado com pressão e maus-tratos foi capaz de aguentar.
Esclarecido o contexto geral, deixa eu voltar ao tópico desta newsletter.
Naquele momento específico, eu vivia em uma cidade de menos de 70 mil habitantes, no interior da Hungria. Isso, por si só, já era um mega desafio. Mas a situação ficava ainda mais complicada se considerarmos que era inverno, anoitecia antes das 16h, e eu vinha em uma sequência intensa de treinos e jogos que me desgastavam muito. Dores em todas as articulações (joelho saudável? Nem sei se um dia já tive).
Tudo isso somado parecia a receita perfeita para o desastre, né?! Mas, de alguma maneira, eu encontrava nessa rotina desafiadora a coragem e a fé de que precisava para seguir dando tudo de mim, na expectativa de que aquilo logo acabaria e, em alguns meses, eu estaria jogando em um lugar melhor.
Juro, essa era minha grande motivação para sair da cama todos os dias. Mesmo com dor, mesmo cansada, mesmo sabendo que voltaria para casa à beira das lágrimas depois de um treino inteiro no limite do estresse e da pressão (com patrocínio oficial do meu treinador). Eu só pensava que precisava ir bem nos jogos para conseguir uma proposta melhor na temporada seguinte.
SPOILER ALET: recebi uma proposta melhor
Dessa vez, na Espanha – mais especificamente na ilha de Gran Canária, um lugar onde eu já havia vivido por alguns meses e pelo qual era apaixonada. As condições contratuais eram muito boas, acima do que eu esperava receber e, de quebra, era em um lugar com o qual eu tinha uma conexão emocional muito positiva. Yey!!! Eu ia, finalmente, voltar a ver o sol, viver pertinho da praia, comer comida boa e, por supuesto, ser feliz de novo!!
Certo?
Bom, era nesse exato ponto que eu queria chegar…
Não posso negar que minha vida nesse novo contexto me trouxe momentos de alegria e felicidade rotineira. Meu time vivendo uma boa fase, ótimas minhas companheiras de equipe, estava de volta a um lugar que amo, e os treinos aconteciam em um ambiente leve e descontraído... uma combinação quase perfeita de tudo que eu não tive na temporada anterior.
Quase…
De alguma forma, não me sentia satisfeita como imaginei que estaria. A rotina, inicialmente acolhedora e confortável, começou a se tornar monótona e pesada.
Chegou um ponto em que percebi que havia passado mais de dois meses sem pisar na praia, me escondendo dentro de casa em todos os meus dias livres — na cama, lendo, assistindo algo ou escrevendo. Tanto faz. Eu só saía de casa para treinar. E mesmo assim levantar da cama de manhã virou um martírio, mesmo sabendo que encontraria um ambiente de trabalho agradável. E, toda vez que me sentia assim, uma culpa absurda tomava conta de mim, porque, afinal... quão mal-agradecida eu estava sendo com todas essas coisas incríveis acontecendo na minha vida?!
Não é fácil aceitar que, mesmo quando tudo parece estar bem na nossa vida, por dentro podemos não estar.
Foram precisos muitos meses de terapia para que eu começasse a entender o porquê disso tudo. E vou compartilhar com vocês algumas coisas que aprendi durante essa jornada.
Por que é válido se sentir mal, mesmo quando tudo está bem?
Falta de objetivos claros
Em 2023, quando tudo estava um caos do lado externo, eu tinha algo muito claro e definido do lado interno: eu precisava de um contrato bom em um lugar bom. Ponto. Como 1+1 é igual a 2, eu sabia que mesmo que me custasse toda minha energia, eu tinha algo pelo que lutar todos os dias.
Em comparação com o meu cenário atual, em que tudo está ótimo, me vi presa em um eterno questionamento: existe algo melhor para buscar? Minha mente não conseguia visualizar com clareza algo melhor do que eu já estava vivendo.
Eu só conseguia enxergar a culpa por não conseguir aproveitar plenamente o que eu já tinha no momento presente.
Alcançar um objetivo muito desejado.
Aparentemente, isso é algo muito comum. Desejar algo com toda a força, idealizar que essa coisa trará felicidade, transformar o desejo em objetivo, trabalhar até ser capaz de realizá-lo e, só então, perceber que a felicidade não estava no destino final.
Já ouvi essa história de várias pessoas, especialmente famosos, que achavam que, ao conquistarem notoriedade, dinheiro e fama, encontrariam a felicidade. Mas, ao alcançarem os lugares mais altos, perceberam que nada daquilo se compara à simplicidade da vida que tinham antes.
Honestamente, eu não colocava muita fé de que era realmente assim que eles se sentiam. Até que percebi que — mesmo tirando fama, dinheiro e notoriedade da equação — também fui capaz de me frustrar com a realidade de alcançar um objetivo muito desejado.
Agora que eu cheguei aqui, exatamente onde eu queria, o que eu tenho que fazer?
Eu aprendi a querer mais, a buscar o próximo nível, evoluir sempre. Coisa de atleta. Nunca me ensinaram a aproveitar o que eu já tenho. E perder a perspectiva de qual seria o próximo passo me faz encarar de frente esse sentimento estranho e confuso de ser grata pelo que eu já tinha, mas sem ser capaz de efetivamente disfrutar desse presente.
Perder a razão pela qual superamos adversidades.
E isso me faz chegar ao ponto 3: por que eu vou entregar minha energia para algo que não vai me levar a lugar nenhum?
Como lidar com a falta de propósito?
Esse é um desafio diário. O propósito nos coloca em movimento. E não precisa ser algo grandioso, tipo salvar o planeta do aquecimento global ou descobrir a cura para o câncer. Propósito é aquilo que te faz levantar da cama todos os dias e viver — mesmo quando tudo ao redor está desmoronando.
Depois de algumas semanas de terapia e autoanálise, cheguei à triste conclusão de que me via totalmente sem propósito. Em teoria, tudo estava tão bem do lado de fora, que eu não via a necessidade de buscar algo mais.
Mas também entendi que não queria deixar minha vida passar enquanto apenas assistia às coisas se desenrolando na frente dos meus olhos. Eu quero ser protagonista da minha história, mesmo que, neste capítulo específico, tudo o que eu tenha que fazer é sentar e planejar uma forma de sair do buraco em que eu mesma me enfiei.
O que eu fiz ao longo dos meses para gerir essa situação na minha cabeça?
#1 - Terapia. Claro!
Antes de seguir, preciso reforçar a importância de um acompanhamento psicológico nesses momentos.
Não é justo nos sentirmos culpados por estarmos tristes, com raiva, frustrados ou desmotivados… Todas essas emoções fazem parte da experiência humana. Mas, às vezes, a gente precisa ouvir isso de outra pessoa para realmente acreditar. Mais importante ainda é aprender a lidar com esses altos e baixos de forma saudável. Por isso, se você tiver a chance de buscar ajuda profissional, faça isso!
#2 - Estabeleci um novo objetivo (dãr!)
Parece uma bobeira, mas eu juro que não é, e precisei de uma sessão inteira de terapia para entender isso.
Eu sou o tipo de pessoa que precisa visualizar o final da estrada, preciso saber para onde estou indo — mesmo que o destino mude no decorrer da caminhada. É assim que eu funciono. Esse lance de "deixa a vida me levar, vida leva eu" não funciona para mim. Então, se eu me sentia desmotivada porque não conseguia visualizar um destino para alcançar, o que eu precisava fazer era criar esse destino.
E foi isso que fiz. Junto com minha psicóloga, me fiz algumas perguntas importantes e defini um novo objetivo — de curto prazo (até o fim da temporada) e de médio prazo (para os próximos 3 anos da minha carreira).
Habemus um novo propósitum!
Isso me fez tirar o foco da frustração de me sentir estagnada e colocá-lo no movimento. Mesmo que pouquinho, mesmo que um movimento quase imperceptível. Mas, sem dúvidas, um movimento.
# 3 - Sair de casa.
Estabeleci uma nova regra para a minha rotina, levando em consideração meu novo objetivo: sair de casa pelo menos uma vez por semana para fazer algo que não seja trabalhar (preferencialmente estar em contato com a natureza durante esse passeio).
Eu preciso sentir que estar aqui, vivendo nesse lugar que eu amo, é algo que estou realmente aproveitando. Lembrar a mim mesma que existem coisas boas acontecendo do lado de fora e que eu mereço desfrutar disso tudo pelo que tanto ansiei. Tem dias que é difícil, que preciso usar toda a disciplina que desenvolvi ao longo dos últimos 10 anos de profissão, para simplesmente tirar minha bunda do sofá e levá-la até a praia. Mas estou percebendo que, a cada semana, isso está se tornando mais fácil.
#4 - Acolhi meu sentimento.
Por fim (mas talvez tenha sido a primeira coisa que fiz desde que entendi o que estava acontecendo comigo), eu aceitei que está tudo bem me sentir assim. Estar triste não significa que eu não sou grata pela vida que tenho ou que não sei reconhecer o quão incrível e privilegiada ela é. Me sentir triste é apenas vivenciar um sentimento que — assim como quando me sinto feliz — vai passar...
Quero finalizar esse texto com uma pergunta pertinente para a qual ainda não encontrei uma resposta exata.
Existe um limite para a capacidade de sonhar?
Qualquer pessoa que tenha lido O Segredo, ou que acredite no poder da atração, sabe que não existem limites para o Universo. E, por mais que eu ache que essa ideia da Lei da Atração tenha sido bastante banalizada e até ridicularizada, eu realmente acredito que nossa mente tem um poder substancial na criação da nossa realidade.
E não no sentido de que é a mente que materializa nossos sonhos, mas sim porque é graças à maneira como enxergamos nossa realidade que somos capazes de mudá-la. Se minha realidade é sofrida e difícil, e isso é tudo o que consigo ver sobre a vida que levo, quais as chances de eu encontrar uma razão para sonhar? Como posso perceber pequenas boas oportunidades? Não me entenda errado, sou a última pessoa do mundo que defenderia a ideia de meritocracia e reconheço que existe uma fatia enorme da população mundial vivendo uma realidade tão miserável que é praticamente impossível encarar a vida com otimismo.
Mas, ainda assim, existem pessoas que conseguem testemunhar pequenos milagres acontecendo. Elas encontram motivos para sorrir, valorizam coisas que o resto do mundo mal percebe. Elas sonham. E seus sonhos se transformam em propósito.
E é assim que eu entendo que nossa mente tem poder sobre a nossa realidade. Não no sentido de que ela cria algo do nada, mas porque ela nos faz enxergar o que já existe ao nosso redor de uma maneira diferente.
Então, me questiono sobre os limites do otimismo que a mente é capaz de sustentar. Como olhar para a realidade acreditando que as coisas podem melhorar e que há um motivo para seguir em frente, quando, na verdade, já encontramos um lugar tranquilo e confortável para estar?
UAU!
Tem tentas coisas desse texto que eu preciso levar pro meu diário! Nossa aqui tu me deu pautas pra desenvolver dentro de mim! QUE TEXTO 🤩
A parte boa de ser amiga da escritora é poder mandar áudio pra ela refletindo sobre o texto maravilhoso que ela mesma escreveu!
Amei! 🩷